TIAGO CAMPIOL: Machismo e misoginia estão presentes na explicação do Faustão

Foto: divulgação/Google imagens
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Na pauta do programa “Timeline” da Rádio Gaúcha, uma entrevista com o apresentador Fausto Silva - o Faustão.  Entre os assuntos, uma declaração machista, na minha opinião, dita por ele 'ao vivo' em seu programa e que foi alvo de críticas, principalmente por mulheres nas redes sociais.

A jornalista Kelly Mattos foi a terceira voz a se manifestar naquele horário e por isso, acusou Luciano Potter e David Coimbra de machistas e misóginos. Essa singela encenação foi revelada por ela mesma, na sequência, ao mudar o tom “agressivo” da fala, tão necessário para atuação armadora do início. 

A radialista prosseguiu falando, mas agora sobre uma operação da Polícia Federal, Eike Batista e a justiça... o que me tirou a atenção do esforçado ato inicial. O então, discurso proferido por ela na abertura havia perdido seu efeito, e pior, ficou sem sentido.

Seria uma opção o jornalista conduzir a entrevista, não fosse ele - o convidado, que a muito conhecemos e dispensa comentários. Pois bem, aos nove minutos e vinte e cinco segundos, Potter encontra uma brecha na fala do apresentador, e inicia uma introdução "bem capenga" sobre o alcance das redes sociais. Sobre tudo, das opiniões de Fausto.

Ouça a entrevista na íntegra aqui.

Na resposta, o apresentador reclama das edições de suas falas que são compartilhadas fora de contexto. Segundo ele, “a galera não sabe, nem o que é o com, muito menos o texto”, o que dificulta o entendimento e a possibilidade de identificar cortes. Acha que as redes são úteis, mas também considera “o penico do mundo” de tanta besteira postada nela.

Potter pede para Fausto relembrar algum acontecimento dessa ordem que o tenha prejudicado. O global diz que “prefere não responder, porque as vezes não vale a pena”. Eita! Mas amenizou dizendo que outras vezes não se importa com o que dizem.

Para que saibamos exatamente do que falavam, os quatro 'ao vivo' na rádio, reproduzirei abaixo - parte do que foi noticiado pelo portal “F5”, editoria de entretenimento do Jornal Folha de São Paulo, no dia 7/11/2016 às 14h58, atualizado às 19h30, diretamente da redação.




A entrevista ocorreu dia 26/01/2017, tomei conhecimento na aula dia 23/08/2017. No decorrer da conversa ninguém faz referência pontual a essa manifestação. Mas credito a ela, pois não posso crer que o glorioso tenha vomitado outro absurdo desses.

Sem ao menos uma única vez reproduzir a fala do apresentador, os jornalistas concluem o assunto aos quinze minutos, quando David, muda o foco e pergunta sobre o momento político do país. 

A explicação do entrevistado sobre o discurso machista e insensível que havia feito, não apresenta nenhum sinal de reflexão, quem dera uma autocrítica. Além de apresentar fatos diferentes da matéria aqui citada.

Alega que quando proferiu o termo porrada, se referia as porradas da vida, devido às más escolhas que as mulheres fazem. Ainda que avisadas, preferem “recuperar” o companheiro, e permanecer ao seu lado. Isso tudo em um diálogo com suas dançarinas, “Todas com muita personalidade. Mulher bonita, gênio forte”, segundo Fausto.

Fausto diz aos 12 minutos e 57 segundos de entrevista: “E eu tava, elas tavão comentando, um assunto de comportamento, sobre que há muitas mulheres, as vezes parecem que gostam de tomar porrada. As porradas da vida que a gente estava dizendo, é que mesmo quando você alerta: Ó!  toma cuidado com esse cara, não vai se meter com esse cara, que esse cara não serve pra você, ou, esse cara é assim, assado. Ou vice-versa... Conclusão, ainda sim, parece que tem gente que acha que tem vocação pra se enfermeiro ou enfermeira”.

Após, salientou que o 'Domingão do Faustão' foi o primeiro programa de entretenimento a exigir uma legislação mais severa, muito antes da Lei Maria da Penha. Também defende o direito da livre opinião, característica fundamental de países democráticos, segundo ele.

Nenhum entrevistador contesta as contradições da fala, não insistem no assunto. O sentimento é de que o homem havia sido injustiçado. Pode ser, mas infelizmente ficou perdida a oportunidade de esclarecer.

A declaração é machista, a explicação é misógina, e só então, a "encenação" de Kelly Matos fez sentido. A entrevista dura uns trinta e cinco minutos e somente seis são gastos com o assunto.

Machista porque seu discurso é carregado de pressupostos surreais que, sequer, foram colocados em cheque. Basta um pesquisa simples para encontrar milhares de relatos contrários a essa percepção reducionista. 

De onde vem e de quando é, não posso afirmar. Mas como homem cisgênero, educado sobre regras heteronormativas, posso dizer que já ouço esta aberração desde criança -  e não posso concordar que há um desejo nas mulheres em serem violentadas.

Manifestei essa opinião escrota muitas vezes, principalmente na adolescência, quando tudo se sabe e sobre tudo se tem certeza. Nas rodas de conversas com amigos, era comum a misoginia, que se revelava através da reprodução de discursos, como esse do Faustão, sem nenhuma vergonha.

Era notável que nenhum de nós fazia a mínima ideia do que falávamos e o quanto era nojento. Apenas repetíamos para demonstrar convicção, “característica” de macho.

Pois bem, com o tempo e esforço aprendemos que a complexidade de realidades não pode ficar sujeita a suposições vazias ou rasas. Para isso é necessário refletir e buscar informações a respeito, do que quer que seja. Mas principalmente, quando o discurso passa atingir a honra de alguém.

A reflexão é muito simples: quem em sã consciência gosta de apanhar? Ainda mais dentro de casa, do parceiro.

As razões para que elas permaneçam ao lado desses covardes são diversas, e não cabe julgamento pessoal. Muitas, não têm para onde ir, são mães, e dependentes de seu conjugue. Outras, são ameaçadas e não encontram amparo na sociedade que as consideram “doida” por isso.­

A misoginia do apresentador fica clara quando o mesmo tenta explicar-se sem sucesso sobre o ocorrido. Parece querer nos fazer crer que mesmo avisadas, algumas mulheres parecem gostar de “apanhar da vida” ou "levar porrada".

Seria maravilhoso que os homens ao primeiro sinal de violência doméstica, denunciassem uns aos outros. Mas não podem, "porque em briga de marido e mulher não se mete a colher”, não é mesmo? Besteira! A legislação já permite denúncia a partir de terceiros.

Homem gosta mesmo de se omitir, e além do mais, não é com meias palavras que se avisa alguém que se quer bem, sobre os riscos que a pessoa corre. E muito pior do que isso, é querer transferir para a mulher, a responsabilidade de diagnóstico de caráter. Ainda mais quando se tratam de covardes e dissimulados.

Portanto com muito respeito aos apresentadores e com quase nenhuma por essa atitude do glorioso Fausto Silva, entendo que se perdeu a chance de desconstruir um discurso nojento e prepotente. Como estudante de jornalismo espero adquirir a coragem necessária para não deixar passar nenhuma oportunidade como essa.

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