“Nós temos a faculdade da rua”, afirma jornalista e morador de rua


Na rua há mais de 15 anos, Ezequiel palestrou para os alunos do curso de jornalismo da faculdade São Francisco de Assis em Porto Alegre


Édson e Ezequiel conversam com alunos da Faculdade São Francisco de Assis. Foto: Bruno Lara

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“No mesmo momento que tu quer ter liberdade, tu é oprimido”. A frase é de Ezequiel, morador de rua há mais de 15 anos que atua como jornalista e jornaleiro no jornal Boca de Rua, veículo a venda em Porto Alegre trimestralmente. Além de Ezequiel, Édson, também do Jornal Boca de Rua, e Matheus Chaparini, do Jornal Já, conversaram com os estudantes de jornalismo da Faculdade São Francisco de Assis na quinta-feira, 12, durante programação da Semana Acadêmica.
No Boca de Rua, aqueles que residem nas vias públicas montam e redigem as matérias. O arrecadado fica com o colaborador como uma espécie de pagamento e incentivo. “Nós temos a faculdade da rua”, responde Édson sobre o modelo do negócio. Na opinião de Édson, o dinheiro é o que menos importa. “O importante não é o dinheiro. Ás vezes é um bom dia, um boa tarde”, garante. Segundo o jornalista, o preconceito é cultural.
Para Tiago Campiol, aluno do 5º semestre e representante dos dissentes do curso, a experiência é sempre única. “Considero importantíssima a Semana Acadêmica, que em um esforço tremendo tenta incentivar a pesquisa, que tanto falta nesse modelo de instituição. Além de aproximar os alunos, professores e convidados em torno de temáticas interessantes e provocadoras. Daí sai debates, concursos, palestras. É ai que se dá os novos modelos de conhecimento: através da integração e compartilhamento de experiências”, opinou.

Busca por direitos
Moradores de rua na capital gaúcha, Ezequiel e Édson ganham a vida trabalhando como jornalistas e como jornaleiros no jornal Boca de Rua. Cada colaborador recebe 30 exemplares e comercializam na cidade ao custo de R$ 2,00 a unidade.
Enquanto Édson não concluiu o ensino médio, Ezequiel tem ensino superior completo e a profissão de tratorista, que não exerce mais. A luta de ambos agora é por quem mora nas ruas e enxerga de perto outro lado da sociedade. “As aparências enganam muito hoje em dia. O cara que passa arrumadinho é o cara que te rouba”, desabafa Ezequiel.
Esta indiferença, segundo ele, está no exercício da profissão, no trato com policiais e até com as ações mais simples do dia-a-dia como pegar um ônibus ou ir ao supermercado. “No mesmo momento que tu quer ter a liberdade, tu é oprimido”, garante.
O mesmo sente Édson, que acredita que a truculência da polícia é ainda pior. “Repressão existe em todo o lugar. O problema com a polícia é que acontece durante a noite. Como tu vai te proteger na rua se quem te protege te bate?”, questiona. “Depois que tu bota o pé para fora de casa, tem autonomia. Mas essa autonomia custa caro”, conclui.

Ezequiel conversa com alunos da Faculdade São Francisco de Assis. Foto: Bruno Lara
Jornal Boca de Rua

O jornal nasceu em 2001, durante a primeira edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, com a ideia e ser o primeiro jornal feito por moradores de rua. Hoje, é considerado pelos próprios colaboradores como uma porta de saída da repressão para um lugar comum. “Lá todo mundo é igual”, relata Édson. O Boca de Rua é organizado pelos próprios moradores de rua, que organizam as pautas por editorias durante uma reunião de ao menos duas horas a cada três meses. Após o jornal ser publicado, uma reunião é feita para avaliar o conteúdo e a repercussão.

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